segunda-feira, 28 de junho de 2010

Virtudes virtuais

Digo o que não falo pra esconder o que já está nu.


Toda comunicação há muito já transcendeu a barreira do falar. Informação chega na velocidade de um toque, na forma de olhar, na linguagem corporal...palavras hoje são apenas mera formalidade, necessidade própria do vício de sempre articular muito, para acabar sem dizer nada.
Ficou o dito pelo não dito.
Mas à partir de hoje não abrirei mais a boca, para não ficar cega pelo despudor que me leva a soltar o que deveria reprimir e a comprimir a vergonha que há de voltar.

Vejo surdos se comunicando de forma entusiasmada, como se por uma "deficiência" aprendessem a usar melhor o físico, a percepção e a expressão. Tão efusivo que chega a contagiar, a me chamar pra descobrir o que não dizem, o que cala em meio aos ruídos e as palavras pela met...
Todos os dias também vejo ouvintes, todos cegos e calados, mesmo que em compania. Tão perdidos dentro de si, enclausurados numa bolha, com fones e um livro.
Alheios, alienados e emparedados entre o medo e o ego, que erguem muros altos e densos, separando este universo do mundo da interação. Interagir mesmo é pegar o celular, é twittar e se mostrar presente pra quem não pode ver, quem não pode tocar.
Essa necessidade vem da distância do outro, do não estar sob um olhar que pode reprovar, do não se deixar julgar. Vício da preguiça em pequenos movimentos, gestos quase imperceptíveis, inexpressivos.
Toda a carga e energia que economizam em movimento, transbordam em palavras secas e pesadas, dispostas de forma sublime para que caiam sobre cabeças desavisadas e desabrigadas da couraça que protege os bem vividos e seus finos filtros.

Nem quem tem boca fala o que quer. Quem não tem face palpável costuma articular muito mais. Malditas ou benditas...virtudes virtuais.

Mas ainda sim tenho que admitir que minha bolha permanece bem à mão, para carregar no tom e levar as letras de quem gosta de falar, o que o bom senso e a conveniência insiste em assim manter.

Hipocrisia é a doença. O remédio é o xarope que faz minha voz surgir (sempre à venda nas melhores esquinas do ramo). O tomo religiosamente, sem ler a bula e com pouca moderação. Isso pode custar muito caro, mas eu não costumo deixar nada barato. Este é o preço que pago.
Para resolver a paranóia do implícito, apenas a terapia grupal e teatral, do segura e empurra, do se deixar cair, das conseqüências de um soltar desamparado, que o chão faz explodir de forma conclusiva e definitiva.

Ainda que sem chão, o importante é ter os fios para se comunicar, para esclarecer de todas as formas possíveis. Para a dúvida solidificar. Quero entender, me/lhe fazer ouvir/ver/sentir. Conectar...
Ainda que subtendido, preciso fechar de vez todos os canais para finalmente abrir um novo sentido.

O bom tom passou longe, será preciso ser muito mais underground para assustar. Irônico vir justo a quem já passeou pelo subterrâneo de um deserto isolado e visitou o silêncio das paredes escuras deste quarto gelado. O mergulho foi em pântanos mais nebulosos que o amanhecer hoje, a perdição era estar só em meio aquela multidão.
Não que isso queira dizer algo, quando na verdade nada é o que quero dizer. Mais do que comunicar o objetivo é soltar cada nó, da garganta aos dedos. É assim que se faz?

Tudo tem seu objetivo, olho em volta e vejo que o único é o de mascarar o próprio egoísmo, almejando o próprio alívio, vomitando o desgosto, simulando o próprio gozo.

Os vejo tentar, mas fica cada vez mais evidente a prepotência de quem se basta e mesmo perdido, precisa ser seguido para um dia se encontrar.

Esta bolha está pequena demais para nela ficar, estourou o limite que me separava dos demais e já não os vejo tão distorcidos e embaçados. Com todo esforço aguço meus sentidos e tento aprender a dizer sem que seja preciso letra alguma escrever.

Você que não me lê, olhe em volta, a música também vibra pra quem toca, pra sentir isso, não será preciso me ver.

Sem lugar comum, não dependeremos apenas de nosso rico vocabulário ou da métrica. Não sei, se realmente não sabe ou se realmente cabe tanto discurso pra quem ainda vive nos limites do próprio umbigo.

Acho que estamos nos comunicando, mesmo que nada tenha sido falado. Silencie a fim de ouvir a razão, para só depois começar a dizer algo.
De vuvuzela já basta a corneta.

Quanto ao resto, nada restou a falar...Concluí que nada foi dito e que lá fora nada se altera. O mundo das idéias é bem aqui e não há nenhum mal que nada saia daí. A voz foi perdida e a ligação restabelecida.

Assim, dia após dia, vamos nos entendo, vivendo aqui, acolá. Sempre repetindo ou contradizendo, já não importa.

A vida nos canta e nós continuamos a mesma dança, de quem gosta menos da lábia e mais do gosto.

Entendido?

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