sexta-feira, 30 de abril de 2010

Mitológicamente real

Mitologia sempre me fascinou muito, não só pela beleza e riqueza de tramas que envolvem deuses, monstros e humanos em emaranhados de sonhos, amores e traições. O que mais me envolve na mitologia é o fato de que, com toda superstição e magia, as mazelas e desejos se aproximam muito da realidade humana e do cotidiano em que vivemos (com todas as suas adaptações).
Andei pensando um pouco em Ícaro, na verdade mais do que deveria!
Resumindo, a história tem muitas versões, mas a base é a mesma.
Dédalo (pai de Ícaro) construiu para o rei de Creta, Minos, um labirinto com o objetivo de aprisionar o Minotauro (Filho da esposa de Minos com um touro). Tempos depois Minos – que enviava condenados para serem mortos no labirinto – enviou o amor de sua filha, Teseu para a morte. Assinando a própria condenação, Dédalo ajudou o casal dando a idéia de Teseu levar um novelo de lã, para não se perder no caminho. Teseu derrotou o Minotauro. Resumo da ópera... Dédalo e Ícaro foram alvos da ira do rei, sendo os dois condenados a viver no labirinto que foi construído por suas própias mãos.
Para fugir de tão dura pena, Dédalo construiu asas de cera e plumas e ambos fugiram voando. Não ouvindo os conselhos de seu pai, Ícaro, extasiado pela liberdade e atraído pela energia e calor do sol, quis se aproximar e tocá-lo. Suas asas derreteram e ele caiu em direção ao Mar Egeu.
Porque Ícaro? Porque Ícaro é o símbolo da busca de um ideal perdido, do inalcançável. Divido com ele esse desejo de voar. Mas o desejo de voar ainda é muito comum até entre os prudentes. Incrível mesmo é como a natureza humana funciona, sendo capaz de construir a própria prisão. Mesmo após todo pesar superá-la e ainda sim cair no erro de se deixar seduzir pelo desafio, pela vontade que vem do que nos privamos ou do que nos é privado. O que não temos obviamente acaba nos parecendo mais brilhoso e fulgurante que a luz do sol. É em torno da ilusão do que não vimos, que sempre batemos.
Eternas mariposas se chocando contra a luz, permanecemos no desespero de encontrar algo, mesmo quando não enxergamos mais nada do jeito que realmente é.
Como Ícaro, certas vezes me vejo cega, movimento-me sem medo da exposição em direção ao perigo, fascinada por qualquer encanto, mesmo que aos poucos, ele se torne aos meus olhos menos esplendoroso. Meus olhos muitas vezes se acostumam à luz alheia. A admiração à esta luz, apesar de ser respeitada, não se mantém tão misteriosa e não me prende.
O problema é que meus olhos nem sempre se focam tempo suficiente, (falta de foco é uma fraqueza quase estrutural) para que eles se acostumem à estes atributos exóticos que são emanados em forma de calor e vibrações. Quando não há tempo de se acostumar, a magia etérea permanece como um tormento, fazendo com que a vontade de viver acima das nuvens seja tão forte que se torne angústia. O humor fica exposto aos caprichos de uma parábola, que me leva do chão à ascensão e da ascensão à queda.
Difícil levar essa inconstante vontade, quando minha única certeza é que, tudo que é surreal e sublime precede uma longa e agonizante queda no mar gelado. A sensação de afogamento é inquietante e apesar de não querer, fica inevitável a luta e o nado. Há uma chegada dura e cansativa a praia. A garganta seca pelo sal, arranhada pela areia. O enjoo e a vertigem culminando em um desmaio iminente. Quando tudo parece fim e nada espero de lugar algum. Aparece uma mão estendida para me levantar e sinto que estou bem.
O otimismo volta, o acolhimento, o calor inebria...
...
...
Calor...me lembro de um calor...outro talvez...mas ainda sim o mesmo. Aquele que leva ao gráfico, ziguezagueando batimentos até que tudo se torne rotina, mesmo que a minha rotina seja essa eterna propensão às - não tão inesperadas assim – surpresas e adversidades. Cada vôo um novo risco, ainda sim valendo cada queda (após ser superada). Pois um sucesso contínuo me levaria a uma embriaguez, enquanto o fracasso acaba despertando, estimulando e ensinando (mesmo que ainda sim seja difícil aprender.)
Como disse anteriormente, a mitologia se mistura com nosso mundo, por isso me fascina. Mas talvez seja o contrário. Quem sabe a mitologia seja baseada em nosso mundo, pois toda essa inconstância os inspira.
O que dizer...pode cair Ícaro, se for por ter tocado o sol...Se deixe cair.

2 comentários:

Santiago Muniz disse...

Uma vez roubamos o fogo dos deuses... uma maravilha até então revolucionariamente impossível de conceber

Agora,
porque não roubar o Sol dos astros??

andressa xavier disse...

gente, que texto.

Bom, se quiser dar uma olhada na programação do Cineclube Cinema Nosso, passe por lá: http://cineclubecinemanosso.blogspot.com/