quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Lembranças de outras vidas

Ela cantava: "Jesus é glorioso, Jesus é glorioso..." com uma voz trêmula, meio débil.
Com suas vestes sujas e rasgadas, seus olhos, um triste outro cego.
Às vezes esbravejava, xingava, gesticulava com o vento - ou não - resmungando.Talvez fosse com o glorioso.
Suas sacolas de feira pareciam carregar todo peso de uma vida dura, onde a única coisa que ela possuiu foi a ausência de todo o resto.Como se a ausência total de qualquer coisa, a fizesse se transformar naquilo tudo.
Tudo que ela sabia era que Ele é glorioso.Era só o que precisava saber, sem querer entender.
Ela não ligava pro resto ao seu redor, ela simplesmente ignorava a existência de todo mundo ali, talvez porque tenha sido a vida inteira negligenciada por todo mundo.
A única coisa que importava, que ela via, era o glorioso com quem ela discutia, argumentava, com uma intimidade, como numa relação entre filha e pai.
Se despediu como quem sabe que volta semana que vem e pegou o ônibus, como quem sabe onde ir mesmo sem saber onde vai parar.

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